A torre e o caçador

A cidade estava movimentada, como sempre, mas aquilo havia deixado de ser incômodo para mim. Caminhava lentamente pelas ruas de Vilavelha, sorrindo para desconhecidos que antes me cumprimentavam com temor e obediência e hoje acenavam para uma amiga. Dois guardas caminhavam atrás de mim com suas armaduras pesadas batendo a cada passo, dando um ritmo de marcha ao passeio e criando um ar de autoridade em volta de mim. Achava aquilo desnecessário, o povo de Vilavelha já me conhecia e não apresentavam ameaça, porém Gerold insistiu, disse que sempre tem alguém esperando a oportunidade para fazer o mal.

Olhei por cima do ombro e sorri ao ver que Sander, o meu guarda costas pessoal carregava desajeitadamente meus livros de herbologia que emprestei da Cidadela para meus estudos. Um riso baixo escapou de meus lábios e um sorriso se desenhou nos mesmos enquanto uma brisa leve fez meus cabelos esvoaçarem. O dia estava maravilhoso, os Sete haviam abençoado o verão e era possível sentir isso em cada canto de pássaro, brisa quente, riso do povo.

Estava quase chegando ao castelo quando lembrei-me de que havia esquecido o principal motivo pelo qual saíra aquele dia, comprar tecidos. Diminuí os passos até que parasse por fim e então olhei para Sander, colocando em meu rosto uma expressão chateada, murmurei:

— Esqueci de comprar os tecidos, podemos ir rápido até o mercado? Eu sei que você disse para o Gerold que eu estaria de volta antes da zênite, mas... É muito importante para mim.

Sabia que essa jogada era injusta, afinal, Sander jamais resistira ao meu charme. O homem que me viu crescer ainda me tratava como se fosse aquela criança de quatro anos que corria nos jardins de Torralta brincando com Serena. Com um pesado suspiro, assentiu com a cabeça e resmungou alguma coisa antes de virar-se na direção do mercado. Ordenou que os guardas continuassem de volta ao castelo enquanto ele me acompanharia até o comerciante.

O mercado estava mais lotado ainda, pessoas andavam de um lado para o outro com as vozes uma sobressaindo a outra anunciando preços, mercadorias, raridades, elogios e palavrões. Toda aquela movimentação era bela ao meu ver, significava que ali havia vida. Antes de ir até o comerciante de tecidos de Essos, parei na frente de uma barraca com diversas ervas. A curiosidade me venceu então me aproximei, arqueando uma sobrancelha e tocando delicadamente uma flor lilás.

— Ela é perigosa. — Murmurei para mim mesma. Já havia lido em livros sobre aquela flor, seu veneno era mortal se preparado da forma correta, ainda assim sua beleza era encantadora.

Tinha sido um dia duro, eu estava há algum tempo em Vilavelha, não tinha comunicado o Lorde da Casa Hightower de minha visita, pois estava somente a negócios, comprando algumas coisas.

Naquele dia, estava apenas caminhando, despreocupado, conhecendo toda aquela imensa cidade, seu septo e a torre maravilhosa, eram obras que me deixavam perplexo, porém não tão perplexo quando uma jovem, que passou por mim 3 vezes, sempre acompanhada de dois guardas.

Era uma Hightower, não sei, apenas notei a beleza que ela carregava, com os braços cheios de livros, devia portar grande inteligência, olhei para Marc, meu braço direito.

—Aqueles homens que acompanhavam a jovem, eram soldados Hightower?

—Sim meu senhor e bons soldados pelo visto.— disse ele assentindo com a cabeça

Franzi o cenho pensativo, nunca tinha ficado tão curioso com algo, decidi então, caminhar até uma loja de ervas que tinha visto logo antes, iria comprar algumas para fazer uma refeição para mim e meus homens, afinal era meu dia de cozinhar, sim, eles eram meu camarada e todos eram tratados como iguais.

Foi então que avistei a jovem, me aproximei lentamente chegando ao lado dela, seus soldados ficaram em alerta, porém logo recuaram quando perceberam que eu era um nobre também, avistando meu soldado e alguns detalhes em minha roupa.

—Aconitum, o nome dessa planta não? Extremamente venenosa.—

Tirei um lenço de meu traje, e umedeci ele em uma vasilha d'agua, entregando para a jovem.

—Extremamente venenosa—Repeti.—Aconselho que tire a essência dela que ficou em suas mãos

Estava tão entretida com a pequena flor lilás que mal notei a aproximação de uma figura masculina, me atentando à sua presença apenas quando ouvi o som da armadura de Sander indicando sua movimentação repentina. Virei o rosto para olhar o que estava acontecendo e me deparei com um jovem bem arrumado de aparência nobre. Antes que eu pudesse dizer algo, meu olhar caiu sobre um pedaço de tecido umedecido que ele oferecia enquanto explicava que acônito era venenoso.

Olhei por cima do ombro para Sander, sentindo já em minha língua uma resposta ácida se formar, porém recebi um olhar de advertência da parte do guarda, fazendo um sorriso largo se formar em meus lábios enquanto rolava os olhos demonstrando que estava descontente em seguir o conselho dele, porém o fiz. Tornei a olhar para o garoto prestando atenção em suas vestes que ostentavam um caçador vermelho em um fundo verde. Sabia que deveria ser de alguma casa importante, porém desconhecia a política da Campina.

Compensando a minha falta de conhecimento naquela área, minha habilidade de me safar em situações constrangedoras era surpreendentemente alta. Então baixei levemente a cabeça observando o garoto com meus grandes olhos e sorrindo de forma tímida, oferecendo a mão direita para o jovem.

— Muito obrigada. Este acônito não parece tão saudável quanto o que eu cultivo nos meus aposentos, mas ainda assim tem seus riscos, não é mesmo? — Sander pigarreou, me obrigando a segurar um riso. — Me chamo Liz, da casa Hightower de Vilavelha. Sou a irmã mais nova de Gerold e Serena. E qual é o seu nome, cavalheiro?

Notei a ironia dela, principalmente ao olhar sua face, contraída, como se estivesse prestes a rir, não deixaria barato, afinal tudo se devolvia na mesma moeda.

—Bom, este não está saudável, provavelmente porque todos o tocam, como você tem vários em seus aposentos, deve saber que as plantas também ficam estressadas ao serem manuseadas.

Fiz uma reverência, com um sorriso gentil no rosto.

—Sou apenas um caçador, me chamo Demian, é um prazer conhecê-la Lady Hightower.

Peguei algumas ervas que usaria para a janta, e dei 5 moedas de prata para o comerciante como pagamento, afinal eram produtos de alta qualidade, e isso estimularia ele a manter sempre produtos bons em sua tenda.

—Então Milady, você gosta de plantas e afins? Também sou um grande apreciador da natureza, coisa que a maioria hoje em dia não é, apenas destroem e abusam dela, a vida provém dela, porém se não a protegermos, vamos todos ter problemas.

Falei em um tom cabisbaixo pois todos os dias recebia notícias de florestas sendo incendiadas para novas plantações e a diminuição de animais de caça.